Wednesday, September 05, 2007

Olhando as Estrelas 2

E, passaram três dias, mas tu não ressuscitaste! Ali estavas imóvel, olhos cerrados, ar sereno, esboçando um sorriso. As tuas mãos repousavam, levemente cruzadas, sobre o teu peito. Envergavas a tua farda azul escura e, naquele momento, pensei que nunca te tinha visto tão bonito e tão em paz. Relembrava os carnavais em que arrastavas contigo todos os miudos do prédio, incentivando o divertimento e a paródia, para gaúdio daquelas crianças que viam em ti, não mais do que um miudo mais velho, com igual vontade de viver intensamente cada segundo de vida.
Olhava para ti, num estado de semi- inconsciência e parecia que tudo era um sonho mau, do qual acordaria em breve e ter-te-ìa de novo ali a chamar-me "maninha", como era teu hábito.
Os meus olhos, turvos de lágrimas que já se limitavam a cair livremente pelo meu rosto, miravam os teus, procurando, desesperadamente, que um milagre ocorresse. Inclinava-me para ti e os meus dedos percorriam o teu rosto gelado e, no entanto, tão terno. Maldizia a bala que te tinha trespassado o cérebro e terminara com todos os teus sonhos.
Não conseguia afastar-me de ti, não podia perder-te de vista, porque se aproximava o momento de dizermos adeus para sempre.
A pouco e pouco, a noite escura ía criando matizes mais claros, à medida que o dia impunha a sua presença. Todas as forças da natureza pareciam ter-se unido para mostrar a sua fúria, unindo esforços para mostrarem a dor que sentiam pela tua partida. O céu estava carregado de nuvens, por onde a água caía num completo dilúvio. Os raios rasgavam o céu e rugiam ferozmente, dilacerando tudo à sua passagem.
Avançando por entre a chuva intensa, o carro negro conduzia-te para a tua última morada. Atrás, outros carros te seguiam, contendo pessoas derrotadas pela mágoa e outras que tentavam expiar as suas culpas.
Os quilómetros íam-se consumindo, pouco a pouco, obedecendo ao desejo da chuva torrencial que não parava de cair. O meu coração e a minha alma ficavam cada vez mais apertados, consumidos pela inevitabilidade de uma partida sem retorno. Tão injusto, tão sem sentido, porque? perguntava eu a mim mesma, porquê? Porque não tinha eu conseguido impedir que tudo culminasse desta forma? Perguntas que ficariam para sempre sem resposta!!
Chegaste, finalmente, ao teu destino.....uma multidão aguardava a tua chegada, imunes à chuva que desabava sobre as suas cabeças. Saí do carro que me havia conduzido, como um autómato, e só conseguia olhar para aqueles rostos que derramavam lágrimas por ti. Abraçavam-me, mostrando a sua solidariedade, mas eu não conseguia ter mais força para chorar ou demonstrar a minha ferida completamente aberta. Deslizava por entre a multidão, amparada por alguém que se deu conta que eu não conseguiria dar mais um passo sózinha. A chuva cobria o meu corpo e eu, simplesmente, não me importava com nada. Caminhei atrás de ti, não querendo perder-te de vista e o cortejo dirigiu-se ao sítio onde repousarias para sempre. A minha dor aumentava e as forças voltaram para gritar que não me deixasses "não partas, Luís...não partas...não me deixes só", mas naquele momento já não poderias impedir que te abrigassem naquele buraco fundo e escuro. O teu caixão descia lentamente à terra e eu tentava gritar cada vez mais alto "não partas Luís...não me deixes aqui..".Naquele momento desejei fazer-te companhia; naquele momento desejei partilhar contigo aquele espaço exíguo......naquele momento desejei que aquela arma que te tirou a vida também me tivesse atingido a mim....