Olhava para ti, num estado de semi- inconsciência e parecia que tudo era um sonho mau, do qual acordaria em breve e ter-te-ìa de novo ali a chamar-me "maninha", como era teu hábito.
Os meus olhos, turvos de lágrimas que já se limitavam a cair livremente pelo meu rosto, miravam os teus, procurando, desesperadamente, que um milagre ocorresse. Inclinava-me para ti e os meus dedos percorriam o teu rosto gelado e, no entanto, tão terno. Maldizia a bala que te tinha trespassado o cérebro e terminara com todos os teus sonhos.
Não conseguia afastar-me de ti, não podia perder-te de vista, porque se aproximava o momento de dizermos adeus para sempre.
A pouco e pouco, a noite escura ía criando matizes mais claros, à medida que o dia impunha a sua presença. Todas as forças da natureza pareciam ter-se unido para mostrar a sua fúria, unindo esforços para mostrarem a dor que sentiam pela tua partida. O céu estava carregado de nuvens, por onde a água caía num completo dilúvio. Os raios rasgavam o céu e rugiam ferozmente, dilacerando tudo à sua passagem.
Avançando por entre a chuva intensa, o carro negro conduzia-te para a tua última morada. Atrás, outros carros te seguiam, contendo pessoas derrotadas pela mágoa e outras que tentavam expiar as suas culpas.
Os quilómetros íam-se consumindo, pouco a pouco, obedecendo ao desejo da chuva torrencial que não parava de cair. O meu coração e a minha alma ficavam cada vez mais apertados, consumidos pela inevitabilidade de uma partida sem retorno. Tão injusto, tão sem sentido, porque? perguntava eu a mim mesma, porquê? Porque não tinha eu conseguido impedir que tudo culminasse desta forma? Perguntas que ficariam para sempre sem resposta!!
Chegaste, finalmente, ao teu destino.....uma multidão aguardava a tua chegada, imunes à chuva que desabava sobre as suas cabeças. Saí do carro que me havia conduzido, como um autómato, e só conseguia olhar para aqueles rostos que derramavam lágrimas por ti. Abraçavam-me, mostrando a sua solidariedade, mas eu não conseguia ter mais força para chorar ou demonstrar a minha ferida completamente aberta. Deslizava por entre a multidão, amparada por alguém que se deu conta que eu não conseguiria dar mais um passo sózinha. A chuva cobria o meu corpo e eu, simplesmente, não me importava com nada. Caminhei atrás de ti, não querendo perder-te de vista e o cortejo dirigiu-se ao sítio onde repousarias para sempre. A minha dor aumentava e as forças voltaram para gritar que não me deixasses "não partas, Luís...não partas...não me deixes só", mas naquele momento já não poderias impedir que te abrigassem naquele buraco fundo e escuro. O teu caixão descia lentamente à terra e eu tentava gritar cada vez mais alto "não partas Luís...não me deixes aqui..".Naquele momento desejei fazer-te companhia; naquele momento desejei partilhar contigo aquele espaço exíguo......naquele momento desejei que aquela arma que te tirou a vida também me tivesse atingido a mim....