….lentamente, o velho comboio começou a soluçar, balançando-se com dificuldade para arrastar as carruagens que se lhe prendiam…..lentamente, começou a rolar e, no pequeno cais da estação, alcançavam-se, com a vista, algumas dezenas de mãos a acenar….dentro do velho comboio, coloquei a minha cabecita à janela e acenava para a minha mãe, enquanto as lágrimas me começavam a rolar pela carita pequena, quase totalmente escondida por uns óculos grandes e com o nobre objetivo de deixar que os meus olhos míopes vissem algo mais além do que a ponta do meu nariz…..
…..tinha seis anos e, pela primeira vez, estava a afastar-me do meu ninho, em direção a uma colónia de férias…..era suposto estar exultante de felicidade mas, pelo contrário, o meu pequeno coração ía ficando cada vez mais diminuto e apertado, à medida que o comboio, rolando com dificuldade pelos carris, me levava para longe….
….sentei-me e os meus soluços acompanhavam os das carruagens….a Filipa, três anos mais velha que eu, tentava consolar-me e contagiar-me com a felicidade que sentia por, pela primeira vez, ter a oportunidade de ver o mar…..ela estava mortinha de curiosidade por certificar- se se, de fato, a água do mar era salgada……e eu queria lá saber qual a dimensão do mar ou se a água era insosa ou salgada……a única certeza que tinha era que as minhas lágrimas, essas sim, eram salgadas e se o mar tivesse aquele gosto, de certeza que não seria nada de interessante, porque afinal de contas, quem poderá sentir-se feliz por algo que faz sofrer…….
….envolta nestes meus pensamentos infantis e com a minha cabecita tristemente encostada à janela do comboio, nem me dei conta de que havíamos chegado ao destino…..imediatamente detestei o local, obcecada pelas saudades que sentia da minha mãe…..se eu nessa altura soubesse a definição para “campo de concentração”, seria esse, certamente o nome que lhe daria: os miúdos iam saindo, às dezenas, das carruagens e eram colocados em fila, organizados em grupos que, depois, seriam entregues à responsabilidade de um monitor….
….a minha monitora ía gritando algumas palavras que, supostamente, seriam de boas vindas e para fazer um pequeno briefing do que iríamos fazer imediatamente a seguir….os meus pensamentos estavam tão longe dali!!!...não me lembro de nada do que ela disse…..as raparigas foram conduzidas para umas enormes camaratas, onde se alinhavam, junto à parede, pequenas camas individuais, cuja cabeceira servia de armário onde poderíamos guardar os nossos pertences…..sempre a chorar, coloquei lá um bolo que a minha mãe tinha feito com todo o carinho, na esperança que me pudesse adoçar a saudade mas, as lágrimas não paravam de cair….
….chegou a noite e a primeira grande prova de fogo: passar a primeira noite da minha curta vida, fora de casa….as lágrimas deixaram de parecer pingos de chuva e passaram a parecer-se com a corrente de um rio bravo…..tapava a boca com uma almofada para que não se ouvissem os soluços e o caudal que descia pelo meu rosto, era imenso……..
…..no dia seguinte, pela manhã, quando acordei, a minha cama estava coberta de formigas que tinham seguido o rasto, saboroso, do meu bolo……tentei afastá-las furiosamente: não, não me iam comer o que a minha mãe fizera com tanto amor……nessa altura pensei que as formigas também tinham sentimentos e que, provavelmente, as mães de algumas delas também já lhes tinham feito um bolo e sabiam o que eu estava a sentir…….embrulhei muito bem o bolo, e guardei-o novamente- tinha pena de o comer…..
….durante os quinze dias que passei na colónia de férias, os miúdos tinham imensas atividades: praia, trabalhos manuais, com ateliers próprios, onde havia uma quantidade inimaginável de materiais com os quais se podia brincar, materiais que eu nunca vira mas,…..enquanto as outras crianças se divertiam à grande, eu ditava mais umas palavras de saudade, para um postal que a Filipa, religiosamente, escrevia para a minha mãe, quase todos os dias, a meu pedido……
…..a tristeza e a saudade acabaram por ter os seus efeitos: fiquei doente, com febre e tive que ser internada na enfermaria……a minha cura estava longe dali…..foi lá que conheci a Paula, internada por verdadeiros motivos de saúde. Não me lembro de onde era a Paula, nem do seu aspeto físico mas, durante alguns dias ela foi o meu bálsamo: sentia-me confortada por ela, brincávamos as duas…ela respeitava os meus silêncios e estava logo ali, quando os meus olhos começavam de novo a brilhar, molhados pelas lágrimas…..quando saí da enfermaria senti, de novo, a tristeza de deixar para trás alguém que me tinha feito tão bem…..voltei a chorar, porque sabia que nunca mais iria ver a Paula, o meu anjo da guarda, durante aqueles dias……
…..porque será que a vida nos prega partidas tão cruéis, afastando-nos de pessoas que saram as nossas feridas…..voltei, finalmente, para casa e aí sim, começaram as minhas férias….abracei a minha mãe até quase a sufocar, enchi-a de beijos; continuava a chorar mas, desta vez, era de felicidade absoluta……tinha voltado para o meu ninho…..
…..passaram-se já muitos anos e sinto a tristeza de não ter dito à minha mãe o quanto a amava….o quanto me arrependo de não a ter conseguido entender, sempre que divergíamos de opinião…..de não a ter amparado sempre que ela precisou…….de não entender o amor imensurável que ela sentia por mim e que eu considerava doentio……
….agora que já sou mãe, sei que o cordão umbilical nunca se corta completamente, porque ele é uma extensão do nosso coração e da nossa alma……quero que o meu menino voe tão alto quanto as asas dele o permitirem, sabendo que o regaço da mãe estará sempre disponível para o acolher…….
…..tanto que eu sinto a falta do teu ninho, mãe…….
…..tinha seis anos e, pela primeira vez, estava a afastar-me do meu ninho, em direção a uma colónia de férias…..era suposto estar exultante de felicidade mas, pelo contrário, o meu pequeno coração ía ficando cada vez mais diminuto e apertado, à medida que o comboio, rolando com dificuldade pelos carris, me levava para longe….
….sentei-me e os meus soluços acompanhavam os das carruagens….a Filipa, três anos mais velha que eu, tentava consolar-me e contagiar-me com a felicidade que sentia por, pela primeira vez, ter a oportunidade de ver o mar…..ela estava mortinha de curiosidade por certificar- se se, de fato, a água do mar era salgada……e eu queria lá saber qual a dimensão do mar ou se a água era insosa ou salgada……a única certeza que tinha era que as minhas lágrimas, essas sim, eram salgadas e se o mar tivesse aquele gosto, de certeza que não seria nada de interessante, porque afinal de contas, quem poderá sentir-se feliz por algo que faz sofrer…….
….envolta nestes meus pensamentos infantis e com a minha cabecita tristemente encostada à janela do comboio, nem me dei conta de que havíamos chegado ao destino…..imediatamente detestei o local, obcecada pelas saudades que sentia da minha mãe…..se eu nessa altura soubesse a definição para “campo de concentração”, seria esse, certamente o nome que lhe daria: os miúdos iam saindo, às dezenas, das carruagens e eram colocados em fila, organizados em grupos que, depois, seriam entregues à responsabilidade de um monitor….
….a minha monitora ía gritando algumas palavras que, supostamente, seriam de boas vindas e para fazer um pequeno briefing do que iríamos fazer imediatamente a seguir….os meus pensamentos estavam tão longe dali!!!...não me lembro de nada do que ela disse…..as raparigas foram conduzidas para umas enormes camaratas, onde se alinhavam, junto à parede, pequenas camas individuais, cuja cabeceira servia de armário onde poderíamos guardar os nossos pertences…..sempre a chorar, coloquei lá um bolo que a minha mãe tinha feito com todo o carinho, na esperança que me pudesse adoçar a saudade mas, as lágrimas não paravam de cair….
….chegou a noite e a primeira grande prova de fogo: passar a primeira noite da minha curta vida, fora de casa….as lágrimas deixaram de parecer pingos de chuva e passaram a parecer-se com a corrente de um rio bravo…..tapava a boca com uma almofada para que não se ouvissem os soluços e o caudal que descia pelo meu rosto, era imenso……..
…..no dia seguinte, pela manhã, quando acordei, a minha cama estava coberta de formigas que tinham seguido o rasto, saboroso, do meu bolo……tentei afastá-las furiosamente: não, não me iam comer o que a minha mãe fizera com tanto amor……nessa altura pensei que as formigas também tinham sentimentos e que, provavelmente, as mães de algumas delas também já lhes tinham feito um bolo e sabiam o que eu estava a sentir…….embrulhei muito bem o bolo, e guardei-o novamente- tinha pena de o comer…..
….durante os quinze dias que passei na colónia de férias, os miúdos tinham imensas atividades: praia, trabalhos manuais, com ateliers próprios, onde havia uma quantidade inimaginável de materiais com os quais se podia brincar, materiais que eu nunca vira mas,…..enquanto as outras crianças se divertiam à grande, eu ditava mais umas palavras de saudade, para um postal que a Filipa, religiosamente, escrevia para a minha mãe, quase todos os dias, a meu pedido……
…..a tristeza e a saudade acabaram por ter os seus efeitos: fiquei doente, com febre e tive que ser internada na enfermaria……a minha cura estava longe dali…..foi lá que conheci a Paula, internada por verdadeiros motivos de saúde. Não me lembro de onde era a Paula, nem do seu aspeto físico mas, durante alguns dias ela foi o meu bálsamo: sentia-me confortada por ela, brincávamos as duas…ela respeitava os meus silêncios e estava logo ali, quando os meus olhos começavam de novo a brilhar, molhados pelas lágrimas…..quando saí da enfermaria senti, de novo, a tristeza de deixar para trás alguém que me tinha feito tão bem…..voltei a chorar, porque sabia que nunca mais iria ver a Paula, o meu anjo da guarda, durante aqueles dias……
…..porque será que a vida nos prega partidas tão cruéis, afastando-nos de pessoas que saram as nossas feridas…..voltei, finalmente, para casa e aí sim, começaram as minhas férias….abracei a minha mãe até quase a sufocar, enchi-a de beijos; continuava a chorar mas, desta vez, era de felicidade absoluta……tinha voltado para o meu ninho…..
…..passaram-se já muitos anos e sinto a tristeza de não ter dito à minha mãe o quanto a amava….o quanto me arrependo de não a ter conseguido entender, sempre que divergíamos de opinião…..de não a ter amparado sempre que ela precisou…….de não entender o amor imensurável que ela sentia por mim e que eu considerava doentio……
….agora que já sou mãe, sei que o cordão umbilical nunca se corta completamente, porque ele é uma extensão do nosso coração e da nossa alma……quero que o meu menino voe tão alto quanto as asas dele o permitirem, sabendo que o regaço da mãe estará sempre disponível para o acolher…….
…..tanto que eu sinto a falta do teu ninho, mãe…….